Produção de “A Caminho da Lua” explica por que a representação asiática está nos detalhes

Por Redação Categoria Nerd
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“A Caminho da Lua” pousou na Netflix, apresentando toda uma história emocional e musical sobre uma jovem garota chamada Fei Fei que, algum tempo depois de perder sua mãe, parte para a lua para provar que a antiga fábula chinesa que sua mãe lhe contou é real. Quando ela finalmente consegue chegar lá, Fei Fei descobre que precisa seguir em frente, por mais difícil que seja.

O filme não está apenas incorporando uma lenda da China enquanto entrega mensagens universais sobre tristeza e saudade, a animação está também representando a cultura chinesa em si, com o diretor, elenco, produtores e animadores tendo mergulhado profundamente em elementos e detalhes para retratar de forma autêntica a cultura asiática.

Como o produtor Peilin Chou explica, retratar as emoções através de lentes asiáticas foi fundamental para garantir uma representação asiática autêntica no filme. “Grande parte do filme gira em torno do amor dessa família e também de como Fei Fei se fecha após a perda e precisa descobrir como abrir seu coração novamente e se conectar com esse amor”, disse Chou à NBC News. “Portanto, era muito importante que aquilo com que ela estava tentando se conectar parecesse realmente real”.

“A Caminho da Lua” vem de uma co-produção da Netflix com o estúdio chinês Pearl Studio, responsável por “Abominável”, com Glen Keane, diretor de “Dear Basketball” e um animador de longa data de muitos filmes da Disney, ficando responsável pela direção da animação. Neste processo, Keane teve de aprender com os artistas do Pearl como ajustar os gestos e movimentos dos personagens, para representar corretamente as origens dos personagens.

Embora formas mais óbvias da cultura chinesa apareçam no filme, como a lenda da própria Deusa da Lua e festas familiares típicas, Chou disse que a equipe incorporou acenos mais sutis à herança. Por exemplo, embora Fei Fei tenha muitas cenas emocionais com seu pai em que os dois compartilham momentos de união, nenhum dos dois diz explicitamente “Eu te amo”.

“A avó está preocupada se ela está comendo o suficiente e há um pouco de crítica nisso”, disse Chou rindo, explicando que esse é o “tipo de amor familiar” que os espectadores de descendência asiática provavelmente irão se identificar.

Chou detalha que esses momentos “não são realmente algo que você possa pesquisar” e exigem que os descendentes de asiáticos e suas experiências de vida criem algo real. É também por isso que ela acredita que foi necessário escalar atores de ascendência asiática, mesmo que seus rostos não aparecessem diante de nós.

“Mesmo que você não esteja vendo esses atores na tela, eles estão incorporando a alma desses personagens e quem eles são”, disse Chou. “Philippa Soo, que é meio chinesa e interpreta Chang’e, ela fala muito sobre, por exemplo, quando ela encarna o papel, o quanto foi influenciado por crescer conhecendo o mito. Culturalmente, crescer nesse tipo de família apenas informou o que ela trouxe para o papel”.

Chou acrescentou: “Não é a mesma coisa se você é uma pessoa branca de Cleveland, Ohio, e deve interpretar uma deusa da lua chinesa. Eu não sei como você se conecta com isso da mesma maneira”.

Cathy Ang, dubladora de Fei Fei no idioma original, disse que interpretar um personagem que compartilha sua herança foi uma experiência igualmente profunda para ela. “Na verdade, eu não interpretei um personagem chinês até ‘A Caminho da Lua’, e não percebi como seria diferente isso”, disse ela. “Eu apenas consigo ser eu mesma, completamente eu mesma. É um grande privilégio compartilhar minha cultura por meio da arte”.

“Todo o processo de produção do filme tem sido uma celebração da cultura asiática”, ela completa. “Certamente me ajudou a valorizar as tradições que meus pais trouxeram com eles para a América”.

“Você não precisa se preocupar com isso [autenticidade], de trazer um elenco de atores asiáticos, ao garantir que a equipe de criação fez a devida diligência”, ela conta em entrevista ao Polygon. “Eles fizeram uma viagem para a China só para pesquisar. A equipe criativa está repleta de asiáticos que se preocupam em contar uma história verdadeira. Então, você não precisa se preocupar muito em ter certeza de que está retratando algo asiático, porque é apenas uma parte de nós. Estamos apenas compartilhando”.

“O filme faz um trabalho de sucesso explorando e retratando não apenas os valores tradicionais e aspectos da cultura chinesa – você conhece este mito de Chang’e – mas também a visão moderna sobre ele, e como o percebemos em um mundo moderno e o que é filtrado pelos olhos desta menina”, diz Phillipa Soo, que faz a voz da deusa da lua.

“Vemos a cultura asiática e a cultura chinesa por meio de muitas facetas diferentes”, ela continua. “O que é tão bom é que todos esses aspectos se juntaram para criar algo maior do que cada um deles poderia fazer por conta própria”.

A animação também levou bastante tempo garantindo que as representações afetivas não fossem padronizadas com as expressões ocidentais que as pessoas normalmente esperam ver nos filmes de Hollywood. Inicialmente foi feito um esboço de um beijo dos pais da protagonista, mas Chou não ia deixar isso deslizar para um filme tão fortemente inspirado na cultura chinesa, onde o afeto entre os pais não se expressa dessa forma, principalmente na frente dos filhos: “Eu estava tipo, ‘Oh meu Deus, eu nunca vi meus pais beijarem minha vida inteira!’”

Como o filme se passa na China, o Pearl Studio queria garantir que a versão em chinês atendesse às expectativas de seus espectadores. Então a equipe criativa do estúdio começou a trabalhar na tradução do roteiro para mandarim mais de um ano antes de o filme terminar, uma mudança radical em relação à forma como a maioria das produções é dublada.

“O que geralmente acontece é que você pega o filme alguns meses antes de estrear, faz uma dublagem e depois o lança”, diz o diretor associado do filme, Hank Abbott, ao SCMP “Muito cedo tínhamos um roteirista e diretor consultor chinês. Eles reescreveram todo o roteiro para que pareça que os personagens estão falando com precisão, não apenas o inglês colocado em chinês”.

O diretor Glen Keane esclarece que a versão chinesa da animação é “99,999% exatamente igual. Havia alguns pequenos detalhes aqui e ali que ajustamos para a versão chinesa. Mas visualmente são todos iguais”.

Parte das mudanças foram feitas pois durante as exibições de teste, a produção descobriu que algumas piadas não funcionavam em mandarim. Então, em várias passagens, eles tentaram colocar linhas diferentes para que funcionassem. Essas adaptações incluem a cena em que o menino chamado Chin se apresenta como campeão de pingue-pongue, mas que na versão em mandarim, ele diz que é um “pequeno Zhang Jike”.

Essas adaptações não são muito diferentes do que recorrentemente acontece nas dublagens brasileiras. “Não estamos mudando a imagem”, explica Abbott. “Estamos mudando o que está sendo dito”.

Ele então detalha melhor: “Descobrimos que era muito importante transmitir as emoções para casa. Em inglês, poderíamos ter um pouco mais de nuances sobre alguns pontos, mas quando os testamos em mandarim, às vezes aprendíamos que precisávamos ser um pouco mais explícitos”.

Em uma última análise, as emoções e sentimentos dirigem “A Caminho da Lua”, conforme o diretor explica: “Meus mentores me ensinaram: ‘Glen, não anime o que o personagem está fazendo. Anime o que o personagem está sentindo’. Meu objetivo aqui era entrar na mente, no coração e na alma de Fei Fei, Chang’e, de cada um dos personagens e animá-los de dentro para fora”.

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