Gorō Miyazaki deu a “Contos de Terramar” uma poderosa mensagem sobre ansiedade

Por Redação Categoria Nerd
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“Contos de Terramar” começa com o Reino de Enlad em ruínas. As plantações estão morrendo, os dragões estão lutando, e os humanos estão ficando loucos aparentemente por nenhuma boa razão. O rei e seu conselho discutem as circunstâncias atuais de seu mundo e a história dos dragões. Root, um mago conselheiro do rei, diz que, com tudo em caos entre dragões e humanos, o mundo está desequilibrado. Assim como esse caos está se formando no mundo humano, o céu escurece e uma tempestade paira sobre eles.

O caos externo também simboliza uma tempestade interna – dentro do príncipe Arren, filho do rei. Logo após o início do filme, ele mata o pai por causa de um impulso repentino e inexplicável. Então ele foge do seu reino.

Embora “Contos de Terramar”, do Studio Ghibli, dirigido pelo filho de Hayao Miyazaki, Gorō Miyazaki, tenha sido adaptado da série de fantasia de Ursula K. Le Guin, o filme se concentra mais na jornada do crescimento pessoal e da superação do medo e ansiedade do que na alegoria original do livro.

“Isso pode parecer uma maneira estranha de começar um filme, mas é comum os filmes do Studio Ghibli começarem de maneira a levar os espectadores a uma imersão total em um mundo fantástico altamente específico. E a introdução rápida permite que a história chegue às mensagens centrais mais rapidamente”, explica Elly Belle em um artigo do Polygon.

Depois que Arren conhece um feiticeiro chamado Sparrowhawk, ele começa a aprender sobre as forças da luz e da escuridão que atrapalham o equilíbrio do mundo. Sparrowhawk sabe que a escuridão vive dentro de Arren e todas as pessoas, tanto quanto a positividade e a coragem.

Cena de “Contos de Terramar”, do Studio Ghibli. Foto/Vox Media

A animação explora principalmente como a arrogância humana leva a conseqüências devastadoras no mundo, incluindo a ambiental. Porém os pontos fortes do filme estão nas maneiras como ele fala com o vazio infernal da ansiedade que existe em todos nós de uma certa maneira, e nas coisas que fazemos para escapar disso.

No filme, Arren é assombrado por uma presença desconhecida depois do seu ato mortal inicial, mas quando o estranho finalmente confronta Arren, ele foge com medo, tropeçando em um pântano e quase se afogando.

Essa sequencia acaba sendo “uma metáfora das maneiras como nos machucamos quando fugimos de nossas próprias falhas e emoções negativas, em vez de enfrentá-las”.

Embora Arren passe a maior parte de sua jornada tentando fugir do assustador desconhecido, ele se arrepende profundamente por seu crime e decide se entregar por matar seu pai.

Este é o ponto crucial que o filme apresenta sobre ansiedade, tristeza e nosso profundo desejo humano de evitar confrontar nosso passado: “Podemos correr, mas a única coisa que realmente nos ajudará a avançar é assumir a responsabilidade pelas piores partes de nós mesmos”.

Cena de “Contos de Terramar”, do Studio Ghibli. Foto/IMDb

As partes mais sombrias do anime exploram as partes de nós mesmos que nos destroem por dentro, que nos fazem duvidar de nossa bondade ou capacidade e nos impelem a agir impulsivamente de maneiras que machucam as outras pessoas.

“O filme interroga se a ansiedade e o arrependimento fazem tanto parte de nossa identidade quanto as partes de nós mesmos que nos fazem sentir confiantes e bons”, observa.

As tentativas de Arren de superar as escuras inclinações internas dele, que ele próprio não entende, e cuja fonte ele parece não conseguir descobrir, está repleta de erros relatáveis. No início do filme, ele brinca com a ideia de usar drogas para evitar sua miséria e esquecer seus problemas. A droga mágica hazia promete tirar sua tristeza e medo, para que ele nunca mais seja forçado a lidar com a “miséria e sofrimento deste mundo”.

Esta cena aponta para o próprio público, questionando quantos de nós tentamos superar o vazio da ansiedade e existencial recorrendo a métodos de enfrentamento questionáveis, em vez de enfrentar a longa jornada que pode estar diante de nós, por mais difícil que seja.

No caso de Arren, ele é tentado pelo esquecimento emocional que a hazia pode lhe oferecer, mas Sparrowhawk o adverte.

“Existe o risco de interpretar essa cena como descartando a ideia de medicação anti-ansiedade ou antidepressivos, mas é mais um aviso contra tentar desassociar ou encobrir sentimentos, em vez de abordá-los ou tratá-los”, afirma Belle. “Mas é um lembrete de que os problemas não desaparecem simplesmente se os ignorarmos”.

Cena de “Contos de Terramar”, do Studio Ghibli. Foto/IMDb

Enquanto “Contos de Terramar” apresenta muita ação em um período relativamente curto, a verdadeira aventura do filme não é externa. A jornada do filme se concentra no sofrimento de Arren, basicamente ele errou e não sabe como se perdoar, ao mesmo tempo que deixou suas sombras o dominarem.

Embora ele queira, assim como nós, escapar da dor do arrependimento ou do desconforto do momento, quando observamos com clareza nossas escolhas e as consequências delas e enfrentamos o desconhecido isso eventualmente nos leva ao crescimento.

“Embora o filme mostre o tumulto do caminho para o crescimento e a auto-aceitação, ele não condena essa jornada, nem a ansiedade que advém da culpa e da insegurança. A mensagem é mais sutil”, diz Belle no artigo. “O filme do Studio Ghibli lança luz sobre as maneiras pelas quais explorar e aceitar seu próprio comportamento é uma forma de força que traz equilíbrio ao mundo”.

No final do filme, o mundo estabelece sua paz novamente, isso não apenas porque Arren derrotou seu eu mais sombrio, mas porque ele assume a responsabilidade por suas ações e confessa o assassinato do rei, mesmo sabendo que era literalmente a versão mais sombria de si mesmo que fez isso. “Enquanto esse eu sombrio está fisicamente incorporado em pontos ao longo do filme, é apenas uma representação dos piores impulsos de Arren”.

Resoinsabilizar por suas ações é “um lembrete esmagador de que redenção e auto-aceitação podem significar abandonar nossas auto-imagens preferidas, nossas crenças sobre quem queríamos ser ou acreditávamos que éramos”.

Arren finalmente aprende a viver com uma versão mais complexa de si mesmo. E, nesse processo, “o público aprende indiretamente como nós também podemos aprender a viver com uma compreensão mais complexa de nós mesmos – não como pessoas boas ou más, mas apenas sofrendo e lutando como humanos”, finaliza.

“Contos de Terramar”, assim como a maioria dos filmes do Studio Ghibli estão atualmente disponíveis no catálogo da Netflix.

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