Aqui está por que defensores de direitos humanos estão boicotando “Mulan”, da Disney

Por Redação Categoria Nerd
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Um boicote é um tipo de recusa coletiva de compactuar com uma ação, vista como errada, de uma pessoa ou empresa na tentativa de privá-la de receita como forma de influenciar o modo como essa entidade opera. Então onde “Mulan” entra nisso? Tudo começou como uma resposta a comentários feitos por Liu Yifei, a estrela do filme da Disney, que apoiou a polícia de Hong Kong em sua repressão violenta aos manifestantes pró-democracia – mas acabou se tornando em algo ainda maior.

Conforme observa publicação do Den Of Geek, o boicote ao “Mulan”, da Disney, é parte agora de uma questão muito maior: a disposição de Hollywood de ignorar as violações dos direitos humanos do governo chinês para ter acesso às bilheterias do país – e ao alto lucro que isso gera.

Os protestos de Hong Kong – o que são?

Uma garota segura um desenho que retrata uma manifestante ferida durante um protesto no Aeroporto Internacional de Hong Kong em 12 de agosto de 2019. Foto/Vox Media

Para você entender como e o por que da campanha de boicote contra o filme da Disney, é necessário entender a situação de Hong Kong – que para quem não sabe é uma “região de administração especial” da República Popular da China e está localizada na costa sul e faz fronteira com a província chinesa de Guangdong.

Hong Kong foi conquistado pelos britânicos em 1840, que governaram o território até 1997; depois do fim do tratado de 1898 que o governo britânico assinou basicamente fazendo um arrendamento do território por 99 anos, com vencimento em 1997. Depois disso Margaret Thatcher (que era primeira-ministra do Reino Unido) passou o território para a China em 1º de julho de 1997, com a promessa de que o país asiático daria a Hong Kong um “alto grau de autonomia” por 50 anos, até 2047. A configuração ficou conhecida como regra “um país, dois sistemas”.

Na prática, essa “garantia de autonomia” não funcionou por anos, com a China influenciando diretamente nas leis e governos locais. Mas, conforme explica reportagem da Vox, os protestos começaram exatamente quando a situação se tornou insustentável quando uma proposta de lei para extradição de pessoas de Hong Kong para a China – notavelmente um país que aprisiona arbitrariamente seus cidadãos se eles desagradam ao governo.

Então, esses protestos pró-democracia se tornaram mais do que apenas isso, se transformou em uma batalha pelo futuro de Hong Kong. Os manifestantes não estão apenas lutando contra o governo local. Eles estão desafiando um dos países mais poderosos do planeta: a China e seu domínio controverso; Mas eles não estão tendo seus direitos de protestar, com o governo usando a polícia para deter de forma violenta as manifestações – e é aí que entra “Mulan”.

Os pedidos crescentes de boicote ao filme da Disney, vêm de manifestantes e defensores de direitos humanos de Hong Kong, bem como do movimento organizado entre os manifestantes pró-democracia na Tailândia, Hong Kong e Taiwan que estão se “unindo pela causa democrática para lutar contra o domínio crescente da China na Ásia”, conhecido como #MilkTeaAlliance – nome de uma bebida doce popular e comum nesses países.

Qual é o escândalo com Mulan, da Disney?

Lui Yifei, estrela do live-action de “Mulan”, da Disney, resolveu gastar seu tempo para defender o governo chinês em meio aos protestos e a brutalidade da polícia contra os protestos. Foto/IMDb

Em agosto de 2019, em meio aos protestos em prol da democracia de Hong Kong, que enfrentaram uma violência exagerada por parte da polícia do estado – amplamente condenada por instituições de direitos humanos e até mesmo pela ONU -, Yifei acessou Weibo para publicar uma postagem proferindo apoio a polícia:

“Eu também apoio a polícia de Hong Kong. Você pode me bater agora”, escreveu a atriz chinesa naturalizada estadunidense em mandarim, não parando por aí. “Que vergonha para Hong Kong”, ela continuou escrevendo dessa vez em inglês. Uma observação importante é que o Weibo é uma versão chinesa do Twitter, que é proibido no país.

Ela não foi a única do filme da Disney a apoiar o governo chinês. A co-estrela de “Mulan”, Donnie Yen, parece concordar com isso, já que ele teve chegou ao ponto de acessar seu perfil no Facebook para comemorar o 23º aniversário do domínio da China em Hong Kong.

Com o lançamento de Mulan de hoje, a campanha #BoycottMulan ressurgiu, com os ativistas, manifestantes pró-democracia e defensores de direitos humanos pedindo “todos os que acreditam nos direitos humanos” deveriam boicotar o filme da Disney.

“Este filme é lançado hoje. Mas porque a Disney faz reverências a Pequim, e porque Liu Yifei abertamente e orgulhosamente aprova a brutalidade policial em Hong Kong, peço a todos os que acreditam em direitos humanos para Boicotarem Mulan”, escreveu Joshua Wong, um proeminente ativista pela democracia de Hong Kong.

Por que #BoycottMulan?

Como no início deste artigo, a definição de boicote é a chave para entender qual é o objetivo do movimento de boicotar “Mulan”. Nesse caso, o negócio é a grande corporação multinacional conhecida como Disney; não estamos aqui considerando o lado da questão se uma corporação deve ou não deter tanta riqueza e poder (quase que um monopólio) quanto a Disney – resposta curta: não -, mas sim que todos podemos concordar que a Disney tem uma enorme influência global e, agora, a empresa (como outros estúdios de Hollywood) está usando esse poder para agradar a China. 

Por causa disso, o boicote ao filme é feito para prejudicar a obtenção de lucros com “Mulan” para Walt Disney Company, na esperança de influenciar a estratégia atual da corporação de compactuar com o governo chinês. 

Dessa forma, a campanha do boicote ao “Mulan” é parte de uma questão muito maior: a disposição das corporações multinacionais (incluindo os estúdios de Hollywood) de ignorar as violações dos direitos humanos na China para acessar o mercado chinês e obter lucros.

Como você provavelmente sabe, a bilheteria chinesa é a segunda maior e está caminhando para se tornar na maior, o que significa que Hollywood usa o país para obter grandes bilheterias, mas para lançar um filme na China, é necessário ter a aprovação do governo, que tem normas de censura cada vez mais rígidas e permite apenas um certo número de filmes estrangeiros por ano.

Sob o acordo atual entre os Estados Unidos e a China, os estúdios americanos obtêm apenas 25% das vendas de ingressos de seus filmes na China (em comparação com 50% nos EUA e 40% na maioria dos outros países), uma demonstração do que Hollywood e os EUA estão dispostos a aceitar quando se trata de obter acesso às bilheterias chinesas. Além disso os filmes estão cada vez mais sendo feito e modificados para poder conseguir passar pela censura chinesa.

De acordo com o LA Times, os estúdios de Hollywood nem sempre sabem se os filmes passarão pela censura do governo e, se passarem, não há um período de tempo definido entre o aviso de aprovação e a data de lançamento, o que muitas vezes faz os estúdios lutarem para promover seus filmes na China antes de chegarem as bilheterias. Além disso, os representantes do governo chinês determinam como e quando um filme estrangeiro estreia, com o poder de fazer ou quebrar o sucesso de um filme com base em decisões como datas de lançamento ou número de telas para exibição. Não é necessariamente um problema a China determinar a distribuição de filmes em seu próprio país, mas o problema está em censurá-los e com isso influenciar na narrativa deles.

Tudo isso é apenas para comprovar que Hollywood realmente deseja acesso ao mercado chinês, e os estúdios estão dispostos a fazer muito para garantir lucro. Não apenas influenciar a forma como os filmes serão feitos e lançados, como também (e mais perigosamente) ignorar violações horríveis dos direitos humanos como os campos de concentração chineses, nos quais mais de 1 milhão de seres humanos de outras etnias estão presos.

“A China prendeu tantos muçulmanos em Xinjiang que não havia espaço suficiente para mantê-los”, relata a reportagem do BuzzFeed News denunciando os campos de concentração da China.

Como empresa multinacional e multibilionária, a responsabilidade e planejamento da Disney não é com os direitos humanos, mas com o lucro. É por isso que ativistas políticos, como os de Hong Kong, usam estratégias como o boicote para influenciar a tomada de decisões corporativas: porque se não for suficiente mostrar que isso é moralmente errado, prejudicar os lucros fará com que as empresas ajam para fazer o que é moralmente certo com o objetivo de não prejudicar seus lucros.

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